Das Comidas de Santo e dos Segredos dos Terreiros
Comida de santo, comida de obrigação, comida de orixá, comida sacralizada, comida de preceito, ou simplesmente dieta sacrificial dos terreiros de candomblé é o nome como os “de comer” oferecidos aos ancestrais nas religiões de matriz africana são chamados.
Afirma-se nas religiões afro-brasileiras que “tudo come”, do chão de onde partem os alicerces, à cumeeira. Em outras palavras, tudo recebe comidas especiais, preparadas segundo as regras prescritas pela tradição de cada comunidade. Assim, estas comidas estão presentes no momento da sacralização de portas e janelas, cadeiras, instrumentos e objetos pessoais. Todavia, é no “quarto dos santos”, diante destes, nos pejis, que estas comidas desempenham uma de suas principais funções dentro deste universo reorganizado no Brasil, a de funcionar como um elo entre a comunidade e a sua ancestralidade.
Nas religiões de matriz africana, a comida é entendida como força, dom, energia presente nos grãos, raízes, folhas e frutos que brotam da terra. A comida é a força que alimenta os ancestrais e ao mesmo tempo o meio através do qual a comunidade alcança o mais alto grau de intimidade com o sagrado através da consumação.
Dizer as coisas que o santo de uma determinada casa come é como revelar uma particularidade. Desta maneira, quando interrogados, a ausência de alguns pratos ou a sua presença sem informações sobre o nome, ou ainda breves descrições, ao lado de silêncios e lapsos de memória, antes de ilustrarem um desconhecimento, buscam na verdade proteger um saber especial, guardado pelos mais antigos na religião, a que só poucos têm acesso.
O não falar certas coisas do santo só pode ser entendido a partir do contexto onde a oralidade constitui um dos veículos mais fortes de transmissão do conhecimento. São os chamados fuxicos de santo, ensinamentos rituais na maioria das vezes balbuciados no ouvido de alguns iniciados em palavras rituais ou fórmulas incompletas.
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